26 de jan. de 2010

A peformance e a construção de uma imagem signo

Vamos começar a pensar a performance por vias de um desvio de entrada. A pergunta pela qual nos guiaremos será:

Que imagem constrói uma performance?

Ao invés de perguntarmos pelo significar, em primeiro plano, tentaremos perceber a imagem formada e daí os signos de uma constelação cognitiva. E essas cognições vêm recheadas de sentidos, tanto no sentido do sensível quanto no sentido direcional de apontamento. Uma cognição mista entre a razão e a emoção.

O signo proclama o enigma como sua fonte vital; na arte é do enigma que se extraem as perguntas, o desejo de se relacionar com o objeto. O enigma doa à estética formal sua energia expandida. Sem esse dado o objeto artístico se tornaria opaco, impermeável, sem a menor possibilidade de reflexão no outro, perdendo assim o sentido do humano.

Construir a imagem é uma estratégia artística para trazer, a partir dos limites do corpo e da mente, uma superfície que eleva este corpo presente a dimensões imateriais da inteligência.

"Signo: Qualquer objeto ou acontecimento, usado como menção de outro objeto ou acontecimento. Esta definição, geralmente empregada ou pressuposta na tradição filosófica antiga e recente, é generalíssima e permite compreender na noção de Signo qualquer possibilidade de referência: p. ex., do efeito à causa ou vice-versa; da condição ao condicionado ou vice-versa; do estímulo de uma lembrança à própria lembrança; da palavra a seu significado; do gesto indicado (p. ex., um braço estendido) à coisa indicada; do indício ou do sintoma de uma situação à própria situação, etc.

Todas estas relações podem ser compreendidas pela noção de signo.

No entanto, em sentido próprio e restrito, essa noção deve ser entendida como a possibilidade de referência de um objeto ou acontecimento presente a um objeto ou acontecimento não-presente, ou cuja presença ou não-presença é indiferença. Nesse sentido mais restrito, a possibilidade de uso dos Signos ou semiose [1] é a característica fundamental do comportamento humano, porque permite a utilização do passado (o que 'não está mais presente') para a previsão e o planejamento do futuro (o que 'ainda não está mais presente'). Nesse sentido, pode-se dizer que o homem é, por excelência, um animal simbólico, e que nesse seu caráter se radica a possibilidade de descoberta e de uso das técnicas em que consiste propriamente sua razão."
(ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. pp 894.)

A idéia de Signo vem de encontro a características primordiais da performance, como a expansão de sentidos através do enigma ou a capacidade de absorver qualquer meio expressivo humano como parte de seu repertório, se mantendo sempre experimental e readaptável às realidades múltiplas do mundo.

O Signo é uma linguagem da imagem construída através dos tempos, mesmo antes da idéia de uma história da arte. É ele quem dá força simbólica e cognitiva à presença do corpo. É através dele que se produzem as múltiplas reflexões, de cada testemunha da ação, reformuladas no cardápio cultural introjetado em cada indivíduo ali presente. O ato da performance, assim como o objeto de arte, só se torna efetivo na multiplicidade da presença humana, e sobre a superfície de um espaço específico.

Os Estóicos [2] formularam uma doutrina, hoje ainda válida, onde pregam que o Signo é “aquilo que parece revelar alguma coisa” e que os movimentos do corpo são o Signo da alma. Assim pode-se dizer que a partir deste conhecimento ou sensibilidade a performance constrói, através da presença do corpo, um elo entre as pessoas que presenciam o ato. Um elo cognitivo, pois é o corpo carnal que conduz o elo sensorial, da referência do corpo do outro em seu próprio corpo.

É como se o Signo e o Corpo funcionassem como fluidos que produzem a eletricidade para a ligação entre pensar e mover. O corpo tem as dimensões do pensar e do mover como a única possibilidade de realização ou compreensão de nossa realidade. Sendo assim, desenvolve sua presença motora como ponte para sua presença metafísica e espiritual.

Não é de hoje que a filosofia reconhece e pratica o movimento como força de estímulo da inteligência humana. Nas doutrinas desenvolvidas por Aristóteles, a Peripatética consiste em ensinar filosofia ao caminhar - praticando assim sua doutrina do movimento, como passagem da potência ao ato. Dessa forma atribui ao corpo motor o poder de relação com uma energia imaterial.

O corpo presente em uma performance trabalha a contradição dos conceitos e éticas sociais com as possibilidades de sua transcendência existencial. Um corpo que ao mesmo tempo é presença crua e imagem onírica, realidade e símbolo.

Despojado e muitas vezes se afastando da noção do real, o corpo performático presencia a realidade sobre uma superfície própria, referencial. Assim cria um espelhamento em quem presencia o momento vivido no tempo performático. Espectador e performer compartilham a dúvida e a certeza do presente.

Cabe ao Signo, através da visão, codificar a imagem e ativar no cérebro as dimensões culturais e psíquicas na compreensão da performance. Assim torna-se fundamental reconhecer sua presença potencializando contextos e diálogos - na arte, para refletir o cotidiano.

A permissividade constituída pelo enigma do Signo vai nos trazer um campo extenso de viabilidade entre o sentir e o entender. Para que o sentir, tão proclamado como o principal sentido da arte na vida, esteja desde já entendido como uma forma de compreensão.





[1] O processo em que algo funciona como signo.

[2] (estoicismo e epicurismo) O terceiro período do pensamento grego que abrange os três séculos que decorrem da morte de Aristóteles ao início da era vulgar.

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